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ISSN (on-line): 1806-3756

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Efeitos da temperatura do ar no risco de morte por DPOC nas principais microrregiões do Brasil: um estudo de séries temporais

Effects of air temperature on the risk of death from COPD in major microregions in Brazil: a time series study

Igor Magaton Ribas1, João Pedro Medeiros Gomes¹, Pedro Augusto Rosa Valadares¹, Lucas Santos Jardim¹, Mário Círio Nogueira¹, Cássia de Castro Martins Ferreira2, William Cossich Marcial de Farias3, Letícia de Castro Martins Ferreira1

DOI: https://dx.doi.org/10.36416/1806-3756/e20220442

ABSTRACT

Objective: To evaluate the association between the risk of death from COPD and air temperature events in ten major Brazilian microregions. Methods: This was a time series analysis of daily COPD deaths and daily mean air temperatures between 1996 and 2017. Using distributed nonlinear lag models, we estimated the cumulative relative risks of COPD mortality for four temperature percentiles (representing moderate and extreme cold and heat events) in relation to a minimum mortality temperature, with a lag of 21 days, in each microregion. Results: Significant associations were found between extreme air temperature events and the risk of death from COPD in the southern and southeastern microregions in Brazil. There was an association of extreme cold and an increased mortality risk in the following microregions: 36% (95% CI, 1.12-1.65), in Porto Alegre; 27% (95% CI, 1.03-1.58), in Curitiba; and 34% (95% CI, 1.19-1.52), in São Paulo; whereas moderate cold was associated with an increased risk of 20% (95% CI, 1.01-1.41), 33% (95% CI, 1.09-1.62), and 24% (95% CI, 1.12-1.38) in the same microregions, respectively. There was an increased COPD mortality risk in the São Paulo and Rio de Janeiro microregions: 17% (95% CI, 1.05-1.31) and 12% (95% CI, 1,02-1,23), respectively, due to moderate heat, and 23% (95% CI, 1,09-1,38) and 32% (95% CI, 1,15-1,50) due to extreme heat. Conclusions: Non-optimal air temperature events were associated with an increased risk of death from COPD in tropical and subtropical areas of Brazil.

Keywords: Pulmonary disease, chronic obstructive/mortality; Temperature; Climate.

RESUMO

Objetivo: Avaliar a associação entre o risco de morte por DPOC e eventos de temperatura do ar em dez grandes microrregiões brasileiras. Métodos: Esta foi uma análise de série temporal de mortes diárias por DPOC e temperaturas médias diárias do ar entre 1996 e 2017. Utilizando modelos de defasagem não linear distribuídos, estimamos os riscos relativos cumulativos de mortalidade por DPOC para quatro percentis de temperatura (representando eventos moderados e extremos de frio e calor) em relação a uma temperatura mínima de mortalidade, com defasagem de 21 dias, em cada microrregião. Resultados: Foram encontradas associações significativas entre eventos extremos de temperatura do ar e o risco de morte por DPOC nas microrregiões Sul e Sudeste do Brasil. Houve associação de frio extremo e aumento do risco de mortalidade nas seguintes microrregiões: 36% (IC 95%, 1,12-1,65), em Porto Alegre; 27% (IC 95%, 1,03-1,58), em Curitiba; e 34% (IC 95%, 1,19-1,52), em São Paulo; enquanto o frio moderado foi associado a um risco aumentado de 20% (IC 95%, 1,01-1,41), 33% (IC 95%, 1,09-1,62) e 24% (IC 95%, 1,12-1,38) nas mesmas microrregiões, respectivamente. Houve aumento do risco de mortalidade por DPOC nas microrregiões de São Paulo e Rio de Janeiro: 17% (IC 95%, 1,05-1,31) e 12% (IC 95%, 1,02-1,23), respectivamente, devido ao calor moderado e 23% (IC 95%, 1,09-1,38) e 32% (IC 95%, 1,15-1,50) devido ao calor extremo. Conclusões: Eventos de temperatura do ar não ideal foram associados a um risco aumentado de morte por DPOC em áreas tropicais e subtropicais do Brasil.

Palavras-chave: Doença pulmonar obstrutiva crônica/mortalidade; Temperatura; Clima.

 
INTRODUÇÃO
 
Em 2019, a DPOC foi a quarta principal causa de morte no Brasil segundo o Global Burden of Disease.(1), Além disso, a prevalência de DPOC nas Américas é a maior entre as regiões da OMS.(2) Ao mesmo tempo, as mudanças climáticas já são uma realidade, inclusive no Brasil,(3) e o novo desafio é estudar a relação entre as doenças crônicas e as variáveis ambientais. Além disso, as temperaturas extremas do ar são um fator de risco para a ocorrência, mortalidade e exacerbação de doenças pulmonares e, de acordo com o Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas, esta exposição será cada vez mais frequente e intensa com a progressão da transição climática.(4,5)
 
No entanto, ainda não é claro se o efeito da temperatura do ar na DPOC está mais associado a temperaturas frias ou quentes. Um estudo chinês a nível nacional, com uma metodologia semelhante à do estudo aqui apresentado, concluiu que as temperaturas do ar mais frias estavam mais associadas à ocorrência de morte por DPOC,(6) enquanto que, com uma metodologia diferente, um estudo com 12 cidades dos EUA estimou que o efeito do calor durante o verão era responsável por um aumento de até 25% dos óbitos por DPOC.(7) Além desses estudos,(6,7) existem outros estudos em todo o mundo que estimam a relação entre a temperatura e diferentes resultados da DPOC.(8)
 
Considerando a relativa falta de pesquisas sobre esse tema no Brasil, o objetivo deste estudo foi investigar a relação entre a temperatura do ar e a mortalidade por DPOC em diversas microrregiões geográficas do Brasil, representativas de todas as regiões.
 
MÉTODOS
 
Neste estudo de séries temporais foi avaliada a relação entre a temperatura média diária do ar e o número de óbitos diários por DPOC em dez microrregiões brasileiras. Foram selecionadas as duas maiores microrregiões de cada uma das cinco grandes regiões do país, com exceção da região Centro-Oeste, na qual foram escolhidas a primeira e a terceira maiores devido à proximidade geográfica da segunda maior (Goiânia) com a primeira (Brasília). Assim, as microrregiões escolhidas foram as seguintes: Belém e Manaus (Norte), Salvador e Fortaleza (Nordeste), Campo Grande e Brasília (Centro-Oeste), São Paulo e Rio de Janeiro (Sudeste) e Porto Alegre e Curitiba (Sul). O estudo compreendeu um total de 105 municípios brasileiros, representando diferentes regiões climáticas do país, em um período de 22 anos, de 1º de janeiro de 1996 a 31 de dezembro de 2017.
 
Os dados de mortalidade por DPOC foram coletados por meio do Departamento de Informática do Ministério da Saúde, especificamente a partir da causa básica de morte no Sistema de Informação sobre Mortalidade. (9) A DPOC foi definida de acordo com a Décima Edição da Classificação Internacional de Doenças (CID-10): J41-J44.(6)
 
Os dados de temperatura média diária foram estimados a partir da reanálise ERA-Interim, desenvolvida pelo European Center for Medium-Term Weather Forecasting, que fornece quatro valores diários de temperatura do ar em pontos de uma grade horizontal uniforme com aproximadamente 13 km de espaço entre eles.(10,11) Esse modelo de reanálise é concebido a partir de um sistema de previsão combinado com a assimilação de informações meteorológicas de navios, satélites, aviões, radares, radiossondas e estações meteorológicas de superfície.(12) Ao calcular a média dos quatro valores de temperatura do ar, obtivemos a temperatura média diária para esses pontos e, em seguida, para obter a temperatura média diária para as microrregiões, calculamos a média de todos os pontos identificados no território de cada microrregião.
 
Apesar dos dados das estações meteorológicas serem mais confiáveis, a distribuição irregular com séries temporais incompletas e grandes lacunas territoriais dessas estações inviabilizam qualquer análise como essa.(13) Assim, os dados do ERA-Interim resolvem essas dificuldades, devido a uma correlação igual ou superior a 96% quando comparados aos dados das estações meteorológicas de superfície existentes. Ademais, as médias de temperatura do ar são os dados mais usados como parâmetros para análise em estudos sobre clima e saúde. Embora haja variação na temperatura do ar dentro de cada microrregião, a temperatura média diária do ar é representativa do comportamento da temperatura em cada microrregião.(13)
 
A fim de estudar a associação entre óbitos diários por DPOC e a temperatura média diária do ar, os modelos aditivos generalizados foram ajustados com uma distribuição binomial negativa juntamente com uma spline cúbica natural do tempo com oito graus de liberdade por ano para ajustar a tendência de longo prazo e a sazonalidade, e os dias da semana para ajustar a sazonalidade de curto prazo.
 
Quanto à análise inferencial e à modelagem, foram usados modelos de defasagem distribuída não linear para a análise inferencial e a modelagem, que caracterizam o foco do presente estudo.(14) Depois de selecionar uma spline natural com cinco graus de liberdade para a função de exposição-resposta, uma função polinomial com um intercepto e quatro graus de liberdade para a função de defasagem-resposta e 21 dias de defasagem, estimamos para cada microrregião os riscos relativos cumulativos (RR) de morte por DPOC em percentis da distribuição da temperatura do ar com a temperatura de mortalidade mínima (TMM), ou seja, a temperatura de referência na qual há risco mínimo de mortalidade na defasagem acumulada,(15) correspondente ao risco total acumulado. Os percentis 2,5 e 10 foram escolhidos para representar, respectivamente, o frio extremo e o frio moderado, e os percentis 90 e 97,5 para avaliar o calor moderado e o calor extremo.
 
Estimamos as frações e os números de eventos atribuíveis a temperaturas não-ótimas, acumulados até o 21º dia, com o método forward(16) de exposição atual a riscos futuros. Calculamos os seguintes componentes:

  • Risco atribuível (RA) ao frio extremo (entre a temperatura mais baixa e o percentil 2,5);

  • RA para frio moderado (entre os percentis 2,5 e 10);

  • RA para frio leve (entre o percentil 10 e a TMM);

  • RA para calor leve (entre a TMM e o percentil 90);

  • RA ao calor moderado (entre o percentil 90 e o percentil 97,5);

  • RA para calor extremo (entre o percentil 97,5 e a temperatura mais alta).


Analisamos os resíduos dos modelos para detectar possível autocorrelação serial e realizamos uma análise de sensibilidade para avaliar a robustez do modelo principal em relação aos modelos gerados com diferentes alterações de parâmetros (Tabela S1, Figura S1, material suplementar). Foi usado o software R, versão 3.4.0 (The R Project for Statistical Computing, Viena, Áustria), principalmente o pacote dlnm.(17) Os scripts relacionados estão disponíveis no Github (https://github.com/joao-med/COPD-Temperature).
 
Devido à natureza pública dos dados, a pesquisa foi isenta de aprovação pelo comitê de ética em pesquisa, de acordo com a resolução nº 510 do Conselho Nacional de Saúde.
 
RESULTADOS
 
Analisamos um total de 208.169 óbitos por DPOC em 10 microrregiões brasileiras, variando de 3812 óbitos na microrregião de Campo Grande, com 0 a 5 casos diários e 67806 na microrregião de São Paulo, com 0 a 26 casos diários (Tabela 1 e Figura 1).
 




 
Em todas as microrregiões analisadas, as temperaturas médias do ar mais baixas são identificadas no meio do ano (meses de junho e julho), exceto nas microrregiões de Manaus, Belém e Fortaleza. Enquanto isso, as temperaturas médias do ar mais altas ocorrem no final e no início do ano (entre outubro e março). Essas variações correspondem às estações de inverno, com temperaturas mais baixas, e ao final do verão, com temperaturas mais altas no hemisfério sul. A microrregião com a menor temperatura média do ar no período foi Curitiba com 18,7ºC e a maior foi Fortaleza com 27,3ºC. Quanto às maiores e menores temperaturas médias do ar, Campo Grande (32,7°C) e Curitiba (4,5°C) apresentaram, respectivamente, a maior e a menor. Simultaneamente, a TMM varia de 17,9°C em Curitiba a 28,5°C em Belém (Tabela 2 e Figura 1).
 

 
Houve uma associação entre os óbitos por DPOC e a temperatura do ar, especialmente nas microrregiões mais populosas, como São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre - regiões sul e sudeste. Essas três microrregiões tiveram as maiores taxas médias diárias de mortalidade (Tabela 1), o que contribuiu para uma estimativa mais confiável do RR (Tabela 3 e Figura 2).
 




 
O percentil atribuível ao frio extremo mostrou um aumento no risco de morte por DPOC de 36% em Porto Alegre, 27% em Curitiba e 34% em São Paulo, enquanto o frio moderado mostrou um aumento significativo de 20%, 33% e 24% nas mesmas microrregiões. Além disso, o aumento do risco de calor moderado foi estimado em 17% em São Paulo e 12% no Rio de Janeiro. Com relação ao calor extremo, as microrregiões que apresentaram resultados significativos foram Campo Grande, São Paulo e Rio de Janeiro, com um aumento no risco de 55%, 23% e 32%, respectivamente (Tabela 3).
 
A fração atribuível de óbitos por DPOC à temperatura do ar durante todo o período de 1996 a 2017 em São Paulo no frio foi de 8,83%. Em Porto Alegre, somando o frio extremo ao moderado, o valor foi de 3,35%. Para o calor, a fração atribuível foi de 3,21% em São Paulo. Em Campo Grande, para o calor extremo, o valor encontrado foi de 1,40%, enquanto no Rio de Janeiro, ao adicionar o calor moderado, foi de 1,86% (Tabela 4).
 

 
Com relação aos óbitos atribuíveis durante o período analisado para diferentes temperaturas do ar, São Paulo foi a microrregião mais significativa: a faixa correspondente ao frio moderado e ao frio leve pode ter sido responsável, respectivamente, por 1.267 (IC95%: 770-1.727) e 4.108 óbitos (IC95%: 1.631-6.525). Enquanto isso, o número de óbitos atribuíveis às faixas de calor leve e moderado foi, nessa ordem, 1.097 (IC95%: 50-2.032) e 771 (IC95%: 361-1.169). Por outro lado, a faixa de calor extremo pode ter sido responsável por 412 óbitos (IC95%: 226-562) no Rio de Janeiro, a microrregião com o resultado mais significativo para esse intervalo entre 1996 e 2017.
 
Em Fortaleza e Salvador, não houve associação em nenhuma defasagem. Por outro lado, nas demais microrregiões, a associação com frio extremo ou calor extremo esteve presente em quase todas as defasagens (Figuras S2 e S3, material suplementar).
 
DISCUSSÃO
 
O presente estudo realizou uma análise abrangente do território e da população brasileira, avaliando o impacto da temperatura do ar na mortalidade por DPOC em áreas tropicais e subtropicais. Além disso, devido à escassez de material disponível com análises semelhantes, ampliamos o conhecimento sobre saúde e clima, trazendo informações importantes para uma melhor tomada de decisão e consequente melhoria da saúde pública. Investigamos dez microrregiões brasileiras, localizadas em todas as regiões e com os principais tipos de clima do país, com uma estimativa de 27.090.704 pessoas e 208.169 óbitos por DPOC no período de 1996 a 2017). Além disso, identificamos uma associação significativa entre eventos extremos de temperatura do ar e o risco de morte por DPOC nas microrregiões do sul e do sudeste do país, com destaque para a microrregião de São Paulo, onde houve o maior número de óbitos registrados. Nessa microrregião, foram detectados 1.836 óbitos atribuíveis à exposição a condições não-ótimas de temperatura do ar no período analisado e o risco de morte por DPOC aumentou significativamente tanto em eventos de temperatura fria ou quente, moderada e extrema, seja abaixo ou acima da TMM.
 
Outra característica importante que fortalece nossa análise é o uso de modelos DLNM que capturam relações complexas entre a relação da temperatura do ar e os óbitos por DPOC,(14,18) por meio do cálculo de relações não lineares e implicações de exposição a partir de uma perspectiva defasada. Essa metodologia também fornece estimativa de risco relativo e atribuível para diferentes temperaturas e defasagens.(14,19)
 
A fim de comparar nossa pesquisa com os vários resultados apresentados em todo o mundo, vale a pena observar que um estudo chinês semelhante, realizado por Chen et al., encontrou uma fração atribuível de 12,6% (IC95%: 10,31-12,57) de óbitos por DPOC à temperatura do ar, apresentando uma curva em que a maioria dos óbitos foi causada por temperaturas mais frias.(6) Da mesma forma, para as mesmas condições de temperatura do ar, encontramos uma fração atribuível de 12,04% (IC95%: 4,8-18,98) em São Paulo e uma curva análoga modelada.
 
Em relação ao risco de óbito por DPOC, um estudo americano encontrou, por meio de modelos de regressão logística, uma chance 19% maior entre idosos com DPOC de morrer no mesmo dia em que a temperatura máxima do ar fosse menor ou igual ao percentil 1, em comparação com pacientes sem DPOC.(20) Esse achado é compatível com nossos resultados de risco aumentado de morte por DPOC no percentil de temperatura extremamente fria em Porto Alegre, Curitiba e São Paulo. Por sua vez, um estudo da Nova Zelândia com dados de 1980 a 2000 relatou que a taxa de mortalidade é 18% maior no inverno do que o esperado em comparação com outros meses, com 31% de excesso de óbitos atribuíveis a doenças respiratórias.(21) Por fim, um grande estudo realizado em Taiwan constatou que uma redução de 5°C na temperatura média diária está correlacionada a um aumento significativo nas admissões hospitalares por DPOC no mesmo dia e em 28 dias consecutivos.(22)
 
Considerando que os prováveis mecanismos que influenciam a mortalidade por DPOC teriam que levar primeiro a uma exacerbação da doença, a exposição a baixas temperaturas do ar poderia facilitar esse evento de várias maneiras. Como já é esperado um aumento da morbidade e da mortalidade no inverno,(18,23) algumas explicações costumam ser apontadas, como as que indicam a relação entre o frio e a diminuição da função pulmonar,(18) a infecção por agentes virais,(21) o efeito direto do frio na broncoconstrição e a diminuição da depuração mucociliar que pode resultar na exacerbação progressiva da DPOC.(20)
 
Com relação às temperaturas mais quentes do ar, o percentil de calor moderado em São Paulo foi considerado um fator de risco para o óbito por DPOC, assim como no Rio de Janeiro. Pelo possível efeito do calor, o estudo americano mencionado anteriormente estimou que o efeito do aumento da temperatura do ar durante o verão foi responsável por um aumento de até 25% nas causas de morte por DPOC.(7) Da mesma forma, especificamente em Nova York, outra pesquisa constatou, por meio de um modelo aditivo generalizado (GAM), que cada 1°C acima da temperatura de 29°C (percentil 75) significa um aumento de 7,6% no risco de internação hospitalar por DPOC com uma defasagem de 3 dias.(24) Finalmente, outro estudo americano estimou um aumento de 4,7% no risco de hospitalização por DPOC no mesmo dia entre os idosos para cada aumento de 5,6°C na temperatura ambiente média durante o verão.(25)
 
Com relação a essa questão, a exposição ao calor está relacionada a eventos que podem levar à broncoconstrição mediada por fatores colinérgicos,(8) hiperventilação em eventos de temperatura extrema(26) e liberação de citocinas como IL-1 e IL-6.(3) Além das relações diretas, as altas temperaturas do ar podem aumentar o risco de exacerbações ao interagir com variáveis como poluição do ar, nível de ozônio na atmosfera e histórico clínico de doença cardiovascular. (23,26)
 
Ademais, estudos epidemiológicos desde a década de 1940 mostraram uma associação entre temperaturas frias e efeitos cardiovasculares adversos.(27) Um estudo chinês publicado em 2023 demonstrou que os extremos de temperatura, frio e calor, aumentam o risco de mortalidade por doença cardíaca isquêmica em diferentes regiões do país.(28) Quanto ao Brasil, um estudo investigou a relação entre a temperatura do ar e a mortalidade por doenças cerebrovasculares, em que temperaturas não ideais (frias ou quentes) foram associadas a um aumento do risco de morte em todas as regiões brasileiras.(29) Entretanto, deve-se observar que um efeito claro da exposição nem sempre é encontrado em todas as localidades.(8) Isso pode ser explicado principalmente por fatores como aclimatação da população local, variações intrínsecas do clima, como temperatura média do ar, amplitude térmica e umidade relativa, e acesso a serviços de saúde, infraestrutura de qualidade, ar condicionado e outros fatores socioeconômicos.(3,30) Nesse contexto, o acesso a um serviço de saúde de qualidade e o estabelecimento de terapia broncodilatadora e mudanças de hábitos, como tabagismo e início de atividade física, alteram a qualidade e a expectativa de vida e podem estar associados à resposta da doença a diferentes temperaturas.(22) Por fim, apesar do nosso estudo não pormenorizar os grupos populacionais das microrregiões, há evidência na literatura que idosos, mulheres e pessoas com baixa escolaridade são mais vulneráveis a eventos de saúde, como nos casos de morte por acidente vascular cerebral, em temperaturas não ótimas.(29) Outras variáveis como estágios da DPOC e número de exacerbações foram importantes limitações do estudo por representarem dados significativos do prognóstico da doença.
 
Da mesma forma, um estudo recente sobre hospitalizações por DPOC sugeriu que a falta de associação entre calor e hospitalizações poderia estar relacionada a um maior desenvolvimento socioeconômico e consequente melhor acesso ao sistema de saúde na região sul do Brasil.(3) Por sua vez, o presente estudo não encontrou relação significativa entre calor e mortalidade por DPOC nas duas microrregiões do sul analisadas (Porto Alegre e Curitiba); entretanto, o frio foi associado como fator de risco para mortalidade. O achado acima não exclui a possibilidade de que o desenvolvimento socioeconômico de uma região esteja relacionado ao desfecho, mas aponta que novos estudos devem introduzir as variáveis juntamente com a temperatura do ar.
 
Ao considerar as limitações do estudo, embora muitos fatores de confusão e tendências tenham sido controlados pela escala de tempo e pelos modelos usados, a adição de dados referentes à poluição do ar com materiais particulados e gases como dióxido de nitrogênio, ozônio e dióxido de enxofre poderia ter aumentado o poder preditivo dos modelos.(8,18,23,24,30) Entretanto, esses dados são extremamente limitados em todas as regiões e períodos estudados. A baixa frequência diária de óbitos em algumas das regiões estudadas também não permitiu estimar os efeitos da temperatura em grupos demográficos específicos por sexo e idade; considerando a importância desse conhecimento para a saúde pública, essa análise mais detalhada poderia ser realizada em estudos futuros, utilizando dados apenas das regiões mais populosas, como São Paulo.
 
Em conclusão, este estudo amplia o conhecimento entre a temperatura do ar e  a mortalidade por DPOC e contribui para estudos que mostram efeitos significativos do aquecimento global tanto no risco à saúde quanto na carga sobre os sistemas de saúde após eventos extremos. Dessa forma, é necessário instituir medidas preventivas desde o reconhecimento desse fenômeno até a criação de diretrizes locais de enfrentamento. Dessa forma, é importante orientar a população mais vulnerável sobre medidas para mitigar possíveis efeitos deletérios à saúde, além de preparar e adaptar os serviços públicos e os profissionais para o aumento da demanda por atendimento médico nesses períodos.
 
CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES
 
Todos os autores contribuíram na concepção e desenho do estudo. JPMG, MCN e WCMF: preparação de material; e coleta e análise de dados. IMR: preparação de material; Coleta e análise de dados; e redação do manuscrito. Todos os autores revisaram o manuscrito e aprovaram o manuscrito final.
 
CONFLITO DE INTERESSES
 
Nenhum declarado.
 
REFERÊNCIAS
 
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