Continuous and bimonthly publication
ISSN (on-line): 1806-3756

Licença Creative Commons
4108
Views
Back to summary
Open Access Peer-Reviewed
Artigo Original

Preditores de desmame ventilatório prolongado e mortalidade em pacientes críticos com COVID-19

Predictors of prolonged ventilator weaning and mortality in critically ill patients with COVID-19

Marcella M Musumeci1, Bruno Valle Pinheiro2, Luciana Dias Chiavegato1, Danielle Silva Almeida Phillip1, Flavia R Machado3, Fabrício Freires3, Osvaldo Shigueomi Beppu1, Jaquelina Sonoe Ota Arakaki1, Roberta Pulcheri Ramos1

DOI: https://dx.doi.org/10.36416/1806-3756/e20230131

ABSTRACT

Objective: To identify factors associated with prolonged weaning and mortality in critically ill COVID-19 patients admitted to ICUs and under invasive mechanical ventilation. Methods: Between March of 2020 and July of 2021, we retrospectively recorded clinical and ventilatory characteristics of critically ill COVID-19 patients from the day of intubation to the outcome. We classified the patients regarding the weaning period in accordance with established criteria. A logistic regression analysis was performed to identify variables associated with prolonged weaning and mortality. Results: The study involved 303 patients, 100 of whom (33.0%) had a prolonged weaning period. Most of the patients were male (69.6%), 136 (44.8%) had more than 50% of pulmonary involvement on chest CT, and 93 (30.6%) had severe ARDS. Within the prolonged weaning group, 62% died within 60 days. Multivariate analysis revealed that lung involvement greater than 50% on CT and delay from intubation to the first separation attempt from mechanical ventilation were significantly associated with prolonged weaning, whereas age and prolonged weaning were significantly associated with mortality. Conclusions: Prolonged weaning can be used as a milestone in predicting mortality in critically ill COVID-19 patients. Lung involvement greater than 50% on CT and delay from intubation to the first separation attempt from mechanical ventilation were identified as significant predictors of prolonged weaning. These results might provide valuable information for healthcare professionals when making clinical decisions regarding the management of critically ill COVID-19 patients who are on mechanical ventilation.

Keywords: COVID-19; Pneumonia, viral; Respiratory distress syndrome; Respiration, artificial; Ventilator weaning; Cohort studies; Hospital mortality; Patient outcome assessment.

RESUMO

Objetivo: Identificar fatores associados ao desmame prolongado e à mortalidade em pacientes críticos com COVID-19 admitidos em UTI e sob ventilação mecânica invasiva. Métodos: Entre março de 2020 e julho de 2021, registramos retrospectivamente as características clínicas e ventilatórias de pacientes críticos com COVID-19 desde o dia da intubação até o desfecho. Os pacientes foram classificados quanto ao período de desmame de acordo com critérios estabelecidos. Foi realizada análise de regressão logística para identificar variáveis associadas ao desmame prolongado e à mortalidade. Resultados: O estudo incluiu 303 pacientes, 100 dos quais (33,0%) apresentaram período de desmame prolongado. A maioria dos pacientes era do sexo masculino (69,6%), 136 (44,8%) apresentaram mais de 50% de acometimento pulmonar na TC de tórax, e 93 (30,6%) apresentaram SDRA grave. No grupo desmame prolongado, 62% foram a óbito em 60 dias. A análise multivariada revelou que o acometimento pulmonar maior que 50% na TC e a demora na primeira tentativa de retirada da ventilação mecânica após a intubação apresentaram associação significativa com o desmame prolongado, enquanto a idade e o desmame prolongado apresentaram associação significativa com a mortalidade. Conclusões: O desmame prolongado pode ser utilizado como marco na predição de mortalidade em pacientes críticos com COVID-19. O acometimento pulmonar maior que 50% na TC e a demora na primeira tentativa de retirada da ventilação mecânica após a intubação foram identificados como preditores significativos de desmame prolongado. Esses resultados podem fornecer informações valiosas para os profissionais de saúde na tomada de decisões clínicas sobre o manejo de pacientes críticos com COVID-19 e em ventilação mecânica.

Palavras-chave: COVID-19; Pneumonia viral; Síndrome do desconforto respiratório; Respiração artificial; Desmame do respirador; Estudos de coortes; Mortalidade hospitalar; Avaliação de resultados da assistência ao paciente.

INTRODUÇÃO
 
A infecção por SARS-CoV-2 pode apresentar sintomas leves ou evoluir para complicações graves, incluindo choque, falência de múltiplos órgãos, arritmia, coagulopatia, lesão cardíaca e SDRA.(1,2) De acordo com coortes da Itália e da China, aproximadamente 70% dos pacientes com COVID-19 admitidos em UTI necessitaram de suporte ventilatório, e a maioria deles foi ventilada mecanicamente por longos períodos.(3,4) A gravidade da insuficiência respiratória aguda, a incidência de complicações e as limitações estruturais dos hospitais (como a escassez de leitos de UTI e de ventiladores mecânicos) são citadas como fatores que podem contribuir para o maior tempo de ventilação mecânica invasiva (VMI) em pacientes com COVID-19.(5) Vale ressaltar que quanto maior o tempo de ventilação mecânica, maiores são as taxas de morbidade e mortalidade em pacientes clínicos e cirúrgicos.(6)
 
Além das dificuldades supracitadas, somam-se os desafios durante a fase de desmame, isto é, todo o processo de interrupção da VMI desde o primeiro esforço para reduzir o suporte ventilatório até a retirada do tubo endotraqueal. Estima-se que esse processo envolva cerca de 40% do tempo total de VMI,(7) e é, portanto, uma fase importante durante a permanência do paciente na UTI. A interrupção do ventilador mecânico depende de inúmeros fatores e deve ser individualizada e avaliada diariamente por uma equipe multidisciplinar.(7-9)
 
Como a ventilação mecânica é uma fase crítica durante a permanência do paciente na UTI, a identificação de fatores que prolongam o desmame pode permitir abordagens individualizadas, como a transferência de pacientes para unidades de desmame prolongado ou a indicação de traqueostomia. Portanto, o objetivo deste estudo foi determinar os fatores associados ao desmame prolongado do ventilador e à mortalidade em pacientes intubados por insuficiência respiratória aguda por COVID-19.
 
MÉTODOS
 
Este estudo de coorte retrospectivo foi realizado em duas UTIs dedicadas para atendimento de pacientes com COVID-19 em um hospital público universitário de grande porte na cidade de São Paulo (SP), com um total de 75 leitos de UTI. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Processo CAAE n. 46961021.10000.5505). Por se tratar de um estudo observacional, o consentimento livre e esclarecido foi dispensado. Entre março de 2020 e julho de 2021, incluímos todos os indivíduos com 18 anos ou mais admitidos nas UTIs participantes e ventilados mecanicamente devido à pneumonia por COVID-19 confirmada (achados clínicos e tomográficos sugestivos de pneumonia viral e teste de RT-PCR positivo para SARS-CoV-2).
 
Por se tratar de um estudo retrospectivo, os autores não tiveram influência na escolha do momento ideal de desmame nem na forma de condução do processo. O processo de desmame foi realizado com base em critérios da literatura, estabilidade clínica e decisão da equipe. Considerou-se tentativa de retirada (TR) da ventilação mecânica o teste de respiração espontânea com pressão de suporte inferior ou igual a 7 cmH2O, seguido ou não de extubação, ou a extubação realizada sem teste de respiração espontânea prévio. O desmame bem-sucedido foi definido como extubação sem reintubação ou óbito nas 48 h seguintes,(9) independentemente da necessidade de ventilação não invasiva (VNI) após a extubação. Para indivíduos traqueostomizados, o desmame bem-sucedido foi definido como ventilação espontânea sem qualquer suporte de VMI por 7 dias consecutivos.
 
Os dados foram coletados do sistema de prontuários eletrônicos do hospital por um dos pesquisadores e mantidos em sigilo. As seguintes variáveis foram registradas na admissão: idade, sexo, IMC, Simplified Acute Physiology Score 3 (SAPS 3),(10) Índice de Comorbidade de Charlson (ICC),(11) intubação endotraqueal (IE), gravidade da SDRA com base na definição de Berlim(12) e proporção de parênquima pulmonar afetado pela COVID-19 na TC de tórax, conforme determinado por um radiologista ou pelo médico assistente.
 
Durante os primeiros 7 dias de ventilação mecânica (ou até a extubação ou óbito, o que ocorresse primeiro), registramos os seguintes parâmetros ventilatórios: VT, FR, FIo2, PEEP, pressão de platô (Pplatô), pressão de distensão (ΔP, calculada como Pplatô menos PEEP total), complacência do sistema respiratório (Csr, calculada como VT dividido pela ΔP) e gasometria arterial (incluindo pH, Pao2, Paco2 e Pao2/FIo2). Além disso, coletamos informações sobre o uso de cânula nasal de alto fluxo (CNAF) e de VNI antes da IE.
 
O principal desfecho foi a classificação dos indivíduos em quatro grupos com base na classificação de desmame (conhecida como estudo WIND) de Béduneau et al.(9) Esses grupos foram os seguintes: grupo “sem desmame”, composto por indivíduos que não foram submetidos a nenhuma TR da VMI; grupo “desmame curto”, constituído por indivíduos cuja primeira TR resultou em desmame bem-sucedido ou óbito em 1 dia; grupo “desmame difícil”, composto por indivíduos cujo desmame foi concluído (seja com sucesso ou resultando em óbito) mais de 1 dia, mas menos de uma semana após a primeira TR; e grupo “desmame prolongado”, constituído por indivíduos cujo desmame ainda não fora interrompido 7 dias após a primeira TR. Para os pacientes que falharam e necessitaram de reintubação em menos de 48 h, a contagem do período ventilatório foi contínua.
 
O estudo também examinou vários desfechos secundários, incluindo pneumonia associada à ventilação mecânica (PAVM), embolia pulmonar (EP), taxa de reintubação, taxa de traqueostomia, dias livres de ventilação mecânica em 28 dias, mortalidade na UTI e mortalidade em 60 dias. Dias livres de ventilação mecânica foram definidos como o número de dias em que os indivíduos foram capazes de respirar espontaneamente sem qualquer assistência ventilatória por 24 h consecutivas. Se um indivíduo foi a óbito antes de 28 dias, considerou-se que ele/ela não apresentou dias livres de ventilação mecânica.
 
Análise estatística
 
Os dados são apresentados em forma de média ± dp, mediana [IIQ] ou frequências absolutas e relativas, conforme apropriado. Para variáveis contínuas com distribuição normal, os grupos foram comparados por meio de ANOVA de uma via; para variáveis categóricas, eles foram comparados por meio do teste do qui-quadrado. Um modelo de regressão logística multivariada foi construído para avaliar as variáveis que se associaram de forma independente ao desmame prolongado. As seguintes variáveis foram selecionadas para avaliação inicial de acordo com a relevância clínica: idade, sexo, IMC, SAPS 3 na admissão, ICC, acometimento pulmonar na TC, uso prévio de CNAF ou de VNI, gasometria arterial após a IE (pH e relação Pao2/FIo2), parâmetros ventilatórios após a IE (ΔP; Csr) e demora na primeira TR após a IE. Variáveis com p < 0,20 no modelo de regressão logística univariada foram incluídas no modelo multivariado. Os resultados foram relatados em forma de OR (IC95%). Um segundo modelo logístico multivariado foi realizado para avaliar se o desmame prolongado se associou de forma independente à mortalidade na UTI. Construímos um gráfico acíclico direcionado (DAG, do inglês directed acyclic graph) para selecionar os fatores de confusão e evitar o superajuste do modelo.(13) Resumidamente, um DAG é uma ferramenta gráfica que permite a visualização das relações entre a exposição de interesse, o desfecho do estudo e todas as outras variáveis que se associam de alguma forma a pelo menos duas outras variáveis no diagrama (figura suplementar).(14-16) Os seguintes fatores de confusão foram selecionados para o DAG: idade, SAPS 3, ICC, IMC, uso prévio de CNAF ou de VNI, EP, PAVM, piora dos parâmetros ventilatórios (menor Csr; maior ΔP) e da relação Pao2/Fio2 nos primeiros 7 dias de VMI.
 
RESULTADOS
 
Durante o período estudado, 817 indivíduos foram admitidos na UTI, dos quais 303 (37%) necessitaram de VMI e foram incluídos no estudo. Após a aplicação da classificação WIND,(9) constatou-se que 102 indivíduos (33,7%) foram classificados no grupo “sem desmame”; 53 (17,5%), no grupo “desmame curto”; 48 (15,8%), no grupo “desmame difícil”; e 100 (33,0%), no grupo “desmame prolongado” (Figura 1). Dados adicionais sobre variáveis ventilatórias e gasométricas no momento da IE e no dia da primeira TR são apresentados no material suplementar (tabela suplementar).

 

 
VNI ou CNAF foi utilizada em 181 (59,7%) dos indivíduos antes da IE. Na admissão na UTI, 136 (44,8%) dos indivíduos apresentavam mais de 50% de acometimento pulmonar na TC de tórax, e 243 (80,1%) apresentaram relação Pao2/Fio2 < 150 mmHg na primeira gasometria após a IE. As características basais dos indivíduos de cada grupo são apresentadas na Tabela 1. Quase metade dos indivíduos (47,8%) apresentava mais de quatro comorbidades, sendo as mais prevalentes a hipertensão arterial (em 64,1%), o sobrepeso (em 53,1%), o diabetes mellitus (em 40,7%) e a doença renal crônica (em 33,5%). Foram observadas diferenças significativas entre os grupos de desmame para as seguintes variáveis: idade (p = 0,02); ICC (p = 0,04); SDRA grave (relação Pao2/Fio2 < 150 mmHg; p < 0,01); acometimento pulmonar acima de 50% na TC de tórax (p = 0,03); e uso prévio de VNI (p = 0,04). Realizou-se traqueostomia em 57 (18,8%) dos indivíduos,sendo que 47 (82%) eram do grupo “desmame prolongado”, com demora de 28 ± 10 dias após a IE.
 

 
A Tabela 2 exibe os desfechos dos participantes do estudo. O grupo desmame prolongado apresentou taxas de PAVM e de traqueostomia significativamente maiores do que os outros grupos (p < 0,01). Além disso, a taxa de mortalidade em 60 dias foi significativamente maior nesse grupo (p < 0,01). A Tabela 3 apresenta as variáveis que se associaram de forma independente ao desmame prolongado. A proporção de acometimento pulmonar na TC de tórax (p = 0,04) e a demora na primeira TR após a IE (p < 0,01) foram preditores significativos de desmame prolongado. O estudo também constatou que o ponto de corte ideal entre a IE e a TR para indicar risco de desmame prolongado foi de 9 dias, com uma ASC de 0,798 (IC95%: 0,734-0,862), sensibilidade de 72% e especificidade de 79%. A Tabela 4 exibe as análises multivariadas que identificaram o desmame prolongado e a idade avançada como fatores de risco independentes para mortalidade em 60 dias (p < 0,01 para ambos).

 

 

 






 

DISCUSSÃO
 
Em nosso estudo, houve dois achados cruciais que lançam luz sobre o processo de desmame prolongado em pacientes críticos com COVID-19. Em primeiro lugar, constatamos que atrasar o início da TR por mais de 9 dias após a IE aumenta significativamente o risco de desmame prolongado. Além disso, nosso estudo revelou uma importante associação entre o desmame prolongado e a mortalidade, enfatizando a necessidade de monitoramento rigoroso e intervenções oportunas durante o processo de desmame.
 
Nosso estudo revelou uma tendência perceptível de os pacientes irem a óbito antes de serem submetidos ao processo de desmame, o que se alinha com o perfil de desmame identificado em outro estudo(17) que categorizou o desmame de pacientes críticos com COVID-19 utilizando o estudo WIND.(9) Esse achado é preocupante e requer uma interpretação e investigação cuidadosas. Existem várias explicações possíveis para essa tendência. Em primeiro lugar, a gravidade da doença pode contribuir para uma maior taxa de mortalidade antes que surja a oportunidade de desmame.(18) Em segundo lugar, o reconhecimento tardio do potencial de desmame é outra possibilidade, que pode ser atribuída a vários fatores, como foco em intervenções imediatas para salvar vidas, presença de comorbidades ou falta de diretrizes claras para a identificação de candidatos adequados ao desmame. (19,20) Além disso, as barreiras ao desmame, incluindo condições clínicas de base não resolvidas, complicações relacionadas à ventilação mecânica ou insuficiência de recursos e experiência para apoiar efetivamente o processo de desmame, também podem desempenhar um papel importante.(21) Identificar e abordar essas barreiras é crucial para aprimorar o manejo dos pacientes e otimizar os desfechos.
 
Observamos que aproximadamente um terço dos pacientes do nosso estudo passou por um processo de desmame prolongado. Em nossa coorte, o tempo médio de VMI foi de 12 dias, um pouco maior do que a mediana de tempo de 8 dias relatada em um estudo internacional de coorte de COVID-19.(21) Esse longo tempo de VMI pode contribuir para o aumento do risco de desmame prolongado observado em nosso estudo. No entanto, houve um achado crítico em nossa análise, revelando uma associação significativa entre a TR tardia e o longo tempo de desmame. Essa associação sugere que o início precoce da TR desempenha um papel crucial na facilitação de um processo de desmame mais suave e eficiente. Quando a TR é tardia, os pacientes podem permanecer em estado de sedação mais profunda(19) por um período prolongado, resultando em fraqueza muscular,(22) descondicionamento e aumento dos desafios para liberação desses pacientes da VMI. As implicações de nossos achados se alinham com os resultados de uma meta-análise sobre liberação da VMI, enfatizando os desafios substanciais encontrados nesse processo.(23) Essa meta-análise indicou que apenas 50% dos pacientes que necessitaram de VMI por mais de 17 dias foram liberados com sucesso, destacando a complexidade do desmame prolongado em pacientes críticos, incluindo aqueles com COVID-19. De fato, um estudo(24) que comparou o processo de desmame entre pacientes com SDRA por COVID-19 e aqueles com SDRA não COVID-19 revelou que os pacientes com COVID-19 apresentaram maior tempo de VMI e encontraram mais desafios durante a transição do desmame, principalmente em virtude de não estarem prontos para o desmame. A presença de respostas imunes descontroladas nos pacientes com COVID-19 pode dificultar a recuperação pulmonar e complicar a avaliação da prontidão para o desmame ventilatório.(20,25)
 
A associação entre o acometimento pulmonar na TC de tórax e o desmame prolongado também levanta preocupações significativas. A TC de tórax foi amplamente utilizada durante a pandemia para avaliar a gravidade da COVID-19, identificar complicações e predizer a evolução da doença nos casos graves.(26) Um maior acometimento pulmonar, observado na TC de tórax, tem impacto direto na função pulmonar e nos escores de dispneia.(27) Assim como em nossa coorte, Maes et al.(27) observaram que pacientes com acometimento mais grave na TC de tórax tendiam a ser mais velhos e apresentavam maior incidência de comorbidades. A compreensão dessa associação tem importantes implicações clínicas. Ela destaca a importância de considerar a extensão do acometimento pulmonar identificado na TC de tórax ao avaliar a prontidão dos pacientes para o desmame e ao planejar estratégias adequadas de manejo. Pesquisas futuras devem se concentrar na investigação das características específicas do acometimento pulmonar na TC de tórax que apresentam associação com o desmame prolongado. Isso pode ajudar a refinar a estratificação de risco e orientar as decisões sobre o momento e a intensidade das intervenções durante o processo de desmame.
 
Por fim, nosso estudo revelou que pacientes em desmame prolongado apresentam maior incidência de complicações, principalmente PAVM. Embora a associação entre PAVM e mortalidade na COVID-19 seja bem conhecida,(27,28) nosso estudo não indicou diretamente um impacto significativo da PAVM nos desfechos de mortalidade. No entanto, é importante reconhecer que a PAVM pode levar a complicações e prolongar a recuperação, podendo contribuir para o desmame tardio.(28)
 
Por outro lado, nossos achados identificaram o desmame prolongado como um fator independente associado a um prognóstico ruim, influenciado por uma complexa interação de múltiplos fatores que afetam os desfechos dos pacientes. Em primeiro lugar, a gravidade da doença de base pode comprometer a função pulmonar e reduzir as reservas fisiológicas, tornando o processo de desmame mais desafiador e aumentando o risco de desfechos adversos, incluindo mortalidade.(29) Em segundo lugar, a ventilação mecânica prolongada e a imobilidade durante a doença crítica podem resultar em perda e fraqueza muscular, o que pode afetar os desfechos.(23,24) Além disso, respostas inflamatórias, especialmente nos casos graves de COVID-19, podem causar danos pulmonares e dificultar a recuperação da função pulmonar.(20,30) Inflamação persistente e complicações pulmonares não resolvidas podem retardar o processo de desmame e contribuir para um aumento do risco de mortalidade.(30)
 
Esses fatores destacam a complexidade da relação entre o desmame prolongado e a mortalidade. O tempo de desmame por si só não explica completamente os desfechos observados. É crucial considerar a gravidade da doença de base, a fraqueza muscular e a inflamação como fatores interligados que influenciam o impacto do desmame prolongado na mortalidade. Ao compreender e abordar esses fatores, os profissionais de saúde podem desenvolver intervenções direcionadas e otimizar o manejo dos pacientes em processo de desmame, melhorando, em última análise, os desfechos desses pacientes.
 
Nosso estudo apresenta várias limitações metodológicas que devem ser reconhecidas. Em primeiro lugar, trata-se de um estudo de natureza retrospectiva, o que pode introduzir vieses na coleta e análise dos dados. Em segundo lugar, o estudo foi realizado em um único serviço público com desafios relacionados a insumos e pessoal limitados, podendo afetar a generalização dos achados. Além disso, não foram coletados dados importantes sobre o uso de sedativos e a incidência de delirium, o que poderia fornecer mais informações sobre os fatores que influenciam os desfechos. Ademais, a ausência de um grupo comparativo de pacientes não COVID-19 com insuficiência respiratória limita nossa capacidade de fazer comparações diretas e produzir interpretações conclusivas. Apesar de todas essas limitações, é importante considerar que nossa pesquisa foi realizada durante as primeiras ondas da pandemia de COVID-19 no Brasil, quando a cobertura vacinal era baixa e havia a presença de variantes altamente virulentas do SARS-CoV-2. Portanto, deve-se ter cautela ao generalizar esses achados para o contexto atual, pois a dinâmica da pandemia e a disponibilidade de medidas preventivas e tratamentos podem ter evoluído.
 
Em suma, o desmame prolongado é um valioso indicador para predizer mortalidade em pacientes críticos com COVID-19. Nosso estudo identificou dois fatores significativos associados ao desmame prolongado: o acometimento pulmonar maior que 50% na TC de tórax e a demora na realização da primeira TR após a IE. Abordar o tempo prolongado de ventilação mecânica e otimizar o momento em que se deve realizar a TR são etapas cruciais para melhorar o processo de desmame e, em última análise, melhorar os desfechos dos pacientes. Pesquisas futuras devem se concentrar no desenvolvimento de estratégias que promovam o despertar precoce, minimizem o tempo de sedação e agilizem o processo de desmame para pacientes críticos com COVID-19.
 
CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES
 
MMM, BVP e OSB: desenho do estudo. MMM e FF: coleta de dados. MMM, BVP e RPR: análise estatística. MMM, RPR, LDC e DSAP: redação do manuscrito. RPR, JSOA e FRM: revisão crítica do manuscrito. Todos os autores leram e aprovaram a versão final do manuscrito.
 
CONFLITOS DE INTERESSE
 
Nenhum declarado.
 
REFERÊNCIAS
 
1.            Hu B, Guo H, Zhou P, Shi ZL. Characteristics of SARS-CoV-2 and COVID-19 [published correction appears in Nat Rev Microbiol. 2022 May;20(5):315]. Nat Rev Microbiol. 2021;19(3):141-154. https://doi.org/10.1038/s41579-020-00459-7
2.            Li X, Ma X. Acute respiratory failure in COVID-19: is it “typical” ARDS?. Crit Care. 2020;24(1):198. https://doi.org/10.1186/s13054-020-02911-9
3.            Wang D, Hu B, Hu C, Zhu F, Liu X, Zhang J, et al. Clinical Characteristics of 138 Hospitalized Patients With 2019 Novel Coronavirus-Infected Pneumonia in Wuhan, China [published correction appears in JAMA. 2021 Mar 16;325(11):1113]. JAMA. 2020;323(11):1061-1069. https://doi.org/10.1001/jama.2020.1585
4.            Grasselli G, Zangrillo A, Zanella A, Antonelli M, Cabrini L, Castelli A, et al. Baseline Characteristics and Outcomes of 1591 Patients Infected With SARS-CoV-2 Admitted to ICUs of the Lombardy Region, Italy [published correction appears in JAMA. 2021 May 25;325(20):2120]. JAMA. 2020;323(16):1574-1581. https://doi.org/10.1001/jama.2020.5394
5.            COVID-ICU Group on behalf of the REVA Network and the COVID-ICU Investigators. Clinical characteristics and day-90 outcomes of 4244 critically ill adults with COVID-19: a prospective cohort study. Intensive Care Med. 2021;47(1):60-73. https://doi.org/10.1007/s00134-020-06294-x
6.            Hur K, Price CPE, Gray EL, Gulati RK, Maksimoski M, Racette SD, et al. Associated With Intubation and Prolonged Intubation in Hospitalized Patients With COVID-19 [published correction appears in Otolaryngol Head Neck Surg. 2020 Jul;163(1):NP1]. Otolaryngol Head Neck Surg. 2020;163(1):170-178. https://doi.org/10.1177/0194599820929640
7.            Geiseler J, Westhoff M. Weaning from invasive mechanical ventilation [Article in German]. Med Klin Intensivmed Notfmed. 2021;116(8):715-726. https://doi.org/10.1007/s00063-021-00858-5
8.            Peñuelas O, Frutos-Vivar F, Fernández C, Anzueto A, Epstein SK, Apezteguía C, et al. Characteristics and outcomes of ventilated patients according to time to liberation from mechanical ventilation. Am J Respir Crit Care Med. 2011;184(4):430-437. https://doi.org/10.1164/rccm.201011-1887OC
9.            Béduneau G, Pham T, Schortgen F, Piquilloud L, Zogheib E, Jonas M, et al. Epidemiology of Weaning Outcome according to a New Definition. The WIND Study. Am J Respir Crit Care Med. 2017;195(6):772-783. https://doi.org/10.1164/rccm.201602-0320OC
10.         Capuzzo M, Scaramuzza A, Vaccarini B, Gilli G, Zannoli S, Farabegoli L, et al. Validation of SAPS 3 Admission Score and comparison with SAPS II. Acta Anaesthesiol Scand. 2009;53(5):589-594. https://doi.org/10.1111/j.1399-6576.2009.01929.x
11.         Brusselaers N, Lagergren J. The Charlson Comorbidity Index in Registry-based Research. Methods Inf Med. 2017;56(5):401-406. https://doi.org/10.3414/ME17-01-0051
12.         ARDS Definition Task Force; Ranieri VM, Rubenfeld GD, Thompson BT, Ferguson ND, Caldwell E, et al. Acute respiratory distress syndrome: the Berlin Definition. JAMA. 2012;307(23):2526-2533. https://doi.org/10.1001/jama.2012.5669
13.         VanderWeele TJ, Robins JM. Four types of effect modification: a classification based on directed acyclic graphs. Epidemiology. 2007;18(5):561-568. https://doi.org/10.1097/EDE.0b013e318127181b
14.         Textor J, van der Zander B, Gilthorpe MS, Liskiewicz M, Ellison GT. Robust causal inference using directed acyclic graphs: the R package ‘dagitty’. Int J Epidemiol. 2016;45(6):1887-1894. https://doi.org/10.1093/ije/dyw341
15.         Suttorp MM, Siegerink B, Jager KJ, Zoccali C, Dekker FW. Graphical presentation of confounding in directed acyclic graphs. Nephrol Dial Transplant. 2015;30(9):1418-1423. https://doi.org/10.1093/ndt/gfu325
16.         Staplin N, Herrington WG, Judge PK, Reith CA, Haynes R, Landray MJ, et al. Use of Causal Diagrams to Inform the Design and Interpretation of Observational Studies: An Example from the Study of Heart and Renal Protection (SHARP). Clin J Am Soc Nephrol. 2017;12(3):546-552. https://doi.org/10.2215/CJN.02430316
17.         Dorado JH, Navarro E, Plotnikow GA, Gogniat E, Accoce M; EpVAr Study Group. Epidemiology of Weaning From Invasive Mechanical Ventilation in Subjects With COVID-19. Respir Care. 2023;68(1):101-109. https://doi.org/10.4187/respcare.09925
18.         Domecq JP, Lal A, Sheldrick CR, Kumar VK, Boman K, Bolesta S, et al. Outcomes of Patients With Coronavirus Disease 2019 Receiving Organ Support Therapies: The International Viral Infection and Respiratory Illness Universal Study Registry [published correction appears in Crit Care Med. 2021 May 1;49(5):e562]. Crit Care Med. 2021;49(3):437-448. https://doi.org/10.1097/CCM.0000000000004879
19.         Han WH, Lee JH, Chun JY, Choi YJ, Kim Y, Han M, et al. Predicting factors associated with prolonged intensive care unit stay of patients with COVID-19. Acute Crit Care. 2023;38(1):41-48. https://doi.org/10.4266/acc.2022.01235
20.         Bellani G, Laffey JG, Pham T, Fan E, Brochard L, Esteban A, et al. Epidemiology, Patterns of Care, and Mortality for Patients With Acute Respiratory Distress Syndrome in Intensive Care Units in 50 Countries [published correction appears in JAMA. 2016 Jul 19;316(3):350] [published correction appears in JAMA. 2016 Jul 19;316(3):350]. JAMA. 2016;315(8):788-800. https://doi.org/10.1001/jama.2016.0291
21.         Pham T, Heunks L, Bellani G, Madotto F, Aragao I, Beduneau G, et al. Weaning from mechanical ventilation in intensive care units across 50 countries (WEAN SAFE): a multicentre, prospective, observational cohort study [published correction appears in Lancet Respir Med. 2023 Mar;11(3):e25]. Lancet Respir Med. 2023;11(5):465-476. https://doi.org/10.1016/S2213-2600(22)00449-0
22.         Boussuges A, Habert P, Chaumet G, Rouibah R, Delorme L, Menard A, et al. Diaphragm dysfunction after severe COVID-19: An ultrasound study. Front Med (Lausanne). 2022;9:949281. https://doi.org/10.3389/fmed.2022.949281
23.         Damuth E, Mitchell JA, Bartock JL, Roberts BW, Trzeciak S. Long-term survival of critically ill patients treated with prolonged mechanical ventilation: a systematic review and meta-analysis. Lancet Respir Med. 2015 Jul;3(7):544-553. https://doi.org/10.1016/S2213-2600(15)00150-2
24.         Melamed R, Paz F, Jepsen S, Smith C, Saavedra R, Mulder M, et al. Prognostic factors and outcomes in COVID-19 patients requiring prolonged mechanical ventilation: a retrospective cohort study. Ther Adv Respir Dis. 2022;16:17534666221086415. https://doi.org/10.1177/17534666221086415
25.         Gendreau S, Benelli B, Delière M, Tuffet S, de Prost N, Razazi K, et al. Partitioning Mechanical Ventilator Duration in COVID-19-related Acute Respiratory Distress Syndrome. Am J Respir Crit Care Med. 2022;206(1):114-118. https://doi.org/10.1164/rccm.202108-1963LE
26.         Li K, Wu J, Wu F, Guo D, Chen L, Fang Z, et al. The Clinical and Chest CT Features Associated With Severe and Critical COVID-19 Pneumonia. Invest Radiol. 2020;55(6):327-331. https://doi.org/10.1097/RLI.0000000000000672
27.         Maes M, Higginson E, Pereira-Dias J, Curran MD, Parmar S, Khokhar F, et al. Ventilator-associated pneumonia in critically ill patients with COVID-19 [published correction appears in Crit Care. 2021 Apr 6;25(1):130]. Crit Care. 2021;25(1):25. https://doi.org/10.1186/s13054-021-03460-5
28.         Ippolito M, Misseri G, Catalisano G, Marino C, Ingoglia G, Alessi M, et al. Ventilator-Associated Pneumonia in Patients with COVID-19: A Systematic Review and Meta-Analysis. Antibiotics (Basel). 2021;10(5):545. https://doi.org/10.3390/antibiotics10050545
29.         Reddy MP, Subramaniam A, Chua C, Ling RR, Anstey C, Ramanathan K, et al. Respiratory system mechanics, gas exchange, and outcomes in mechanically ventilated patients with COVID-19-related acute respiratory distress syndrome: a systematic review and meta-analysis. Lancet Respir Med. 2022;10(12):1178-1188. https://doi.org/10.1016/S2213-2600(22)00393-9
30.         Bordon J, Akca O, Furmanek S, Cavallazzi RS, Suliman S, Aboelnasr A, et al. Acute Res-piratory Distress Syndrome and Time to Weaning Off the Invasive Mechanical Ventila-tor among Patients with COVID-19 Pneumonia. J Clin Med. 2021;10(13):2935. https://doi.org/10.3390/jcm10132935

Indexes

Development by:

© All rights reserved 2024 - Jornal Brasileiro de Pneumologia