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Educação Continuada: Fisiologia Respiratória

Armadilhas na interpretação de testes de função pulmonar nas doenças neuromusculares

Pitfalls in the interpretation of pulmonary function tests in neuromuscular disease

José Alberto Neder1, Danilo Cortozi Berton2, Denis E. O'Donnell1

CONTEXTO

A dispneia é uma queixa comum de pacientes com doenças neuromusculares (DNM). Por conseguinte, esses pacientes são frequentemente encaminhados para avaliação da função pulmonar. Algumas das anormalidades trazidas pelas DNM, no entanto, são passíveis de erros de interpretação, com potenciais consequências clínicas negativas.

PANORAMA

O diretor de um laboratório de testes de função pulmonar (TFP) foi questionado por um médico de família sobre a interpretação de um TFP que indicava que, apesar da ausência de limitação ao fluxo aéreo, uma mulher de 81 anos de idade, que nunca fumou, com TC de tórax normal, apresentava "aprisionamento aéreo grave e tendência a hiperinsuflação pulmonar e baixo coeficiente de transferência de monóxido de carbono (KCO)". Partindo do pressuposto de que os resultados indicavam doença das vias aéreas, ela foi tratada empiricamente com uma associação de broncodilatadores que não tiveram impacto sobre a dispneia aos esforços e a fadigabilidade. A paciente repetiu o teste com a adição de um protocolo simplificado para avaliação de DNM. Os resultados indicaram diminuição limítrofe da PImáx estática e dinâmica mas grave fraqueza muscular expiratória (incluindo baixo PFE), que foi associada ao aumento acentuado do VR e da relação VR/CPT (Figura 1). Ela foi encaminhada ao departamento de neurologia, sendo por fim diagnosticada com doença dos neurônios motores (esclerose lateral amiotrófica).
 



Dependendo da contribuição relativa da fraqueza muscular inspiratória vs. expiratória, das anormalidades da complacência pulmonar e/ou da parede torácica, das comorbidades subjacentes (por ex., atelectasia e cicatrizes pulmonares predisponentes à restrição vs. doença das vias aéreas causadora de obstrução) e do habitus corporal (obesidade vs. baixo peso), o padrão final de disfunção pode variar substancialmente nas DNM.(1) Por exemplo, como o VR em idosos saudáveis é determinado principalmente pelo volume de fechamento das pequenas vias aéreas em baixos volumes pulmonares,(2) o VR torna-se fortemente dependente da capacidade daqueles com fraqueza muscular expiratória de "espremer" as vias aéreas próximo ao final da expiração.(1,3) Se o VR - e, em menor grau, a capacidade residual funcional (CRF) - aumenta em um paciente com fraqueza muscular expiratória grave, mas com força muscular inspiratória apenas levemente comprometida (ou seja, capacidade inspiratória preservada), a CPT pode estar normal ou, como visto em nossa paciente magra, ligeiramente aumentada (Figura 1).(4) Nesse contexto, CPT preservada com relação VR/CPT elevada pode facilmente ser interpretada erroneamente como um indício de aprisionamento aéreo causado por doença das vias aéreas. Como o diafragma da paciente estava apenas levemente comprometido, a CVF não diminuiu significativamente da posição sentada para o decúbito dorsal. Pacientes com fraqueza muscular expiratória clinicamente relevante podem apresentar uma distribuição desigual da ventilação e perfusão(3) que, somada às microatelectasias, pode diminuir a capacidade de difusão pulmonar em um determinado (baixo) volume alveolar, reduzindo o KCO (Figura 1).(5)

MENSAGEM CLÍNICA

O padrão de "restrição extraparenquimatosa" (baixa CPT e KCO aumentado), associado a baixa CRF e VR preservado, é comumente visto em pacientes com fraqueza muscular inspiratória isolada.(1) Esse padrão, no entanto, pode mudar na presença de fraqueza muscular expiratória associada/dominante, levando a VR aumentado, CPT e CRF normais a elevadas e tendência a KCO baixo.(3) A interpretação dos volumes pulmonares e do KCO deve, portanto, levar em consideração a força muscular inspiratória e expiratória em indivíduos com dispneia pouco clara e "desproporcional" nos quais se suspeita de uma DNM.

REFERÊNCIAS

1. Gibson GJ. Neuromuscular Disease. In: Gibson GJ. Clinical Tests of Respiratory Function. 3rd ed. London: Hodder-Arnold; 2009. p.324-50.
2. Macklem PT. The physiology of small airways. Am J Respir Crit Care Med. 1998;157(5 Pt 2):S181-S183. https://doi.org/10.1164/ajrccm.157.5.rsaa-2
3. Hart N, Cramer D, Ward SP, Nickol AH, Moxham J, Polkey MI, et al. Effect of pattern and severity of respiratory muscle weakness on carbon monoxide gas transfer and lung volumes. Eur Respir J. 2002;20(4):996-1002. https://doi.org/10.1183/09031936.00.00286702
4. De Troyer A, Borenstein S, Cordier R. Analysis of lung volume restriction in patients with respiratory muscle weakness. Thorax. 1980;35(8):603-610. https://doi.org/10.1136/thx.35.8.603
5. Neder JA, Berton DC, O'Donnell DE. Integrating measurements of pulmonary gas ex-change to answer clinically relevant questions. J Bras Pneumol. 2020;46(1):e20200019. https://doi.org/10.1590/1806-3713/e20200019

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