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ISSN (on-line): 1806-3756

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Educação Continuada: Fisiologia Respiratória

Função pulmonar: o que constitui (a)normalidade?

Lung function: what constitutes (ab)normality?

José Alberto Neder1, Danilo Cortozi Berton2, Denis E O’Donnell1

DOI: 10.36416/1806-3756/e20220096

CONTEXTO
 
Definir se resultados de testes de função pulmonar (TFP) estão fora da faixa esperada tem implicações diagnósticas óbvias. Muitos médicos consideram que qualquer valor fora de ± 20% do previsto ou uma VEF1/CVF < 0,7 indica anormalidade. As diretrizes atuais apoiam fortemente o uso dos “limites” estatísticos “de normalidade” para classificar os resultados dos testes como baixos — menor que o limite inferior de normalidade (LIN) — ou elevados — maior que o limite superior de normalidade (LSN).(1) Isso realmente importa? Em caso afirmativo, podemos utilizar com segurança os critérios LIN/LSN gerais em populações clínicas?
 
PANORAMA
 
A Tabela 1A mostra que o percentil 5 para VEF1 e CVF é sistematicamente maior que 80% do previsto em homens e mulheres mais jovens (LIN > 0,7 para VEF1/CVF), e o oposto é observado em idosos. Por outro lado, o LIN para volumes pulmonares “estáticos” e DLCO é tipicamente menor que 80%, independentemente da idade e do sexo. A Tabela 1B mostra os resultados espirométricos de uma jovem não fumante com sobrepeso que relatou episódios recorrentes de dispneia: 0,7 < VEF1/CVF < LIN sugeriu defeito ventilatório obstrutivo. A Tabela 1C mostra os resultados espirométricos de uma idosa ex-fumante que relatou dispneia crônica e tosse produtiva. Seus sintomas, a presença de espessamento de parede brônquica na TC de tórax e relação VEF1/CVF < 0,7, apesar de essa última estar acima do LIN, foram considerados consistentes com obstrução. Ambas as pacientes relataram melhora acentuada com o uso de formoterol/budesonida inalatórios.


 
Nossa incerteza sobre o que constitui VEF1, CVF e VEF1/CVF normais aumenta com o envelhecimento, ou seja, o LIN está longe dos valores previstos em idosos (Tabela 1A). Assim, valores < 80% do previsto podem estar bem dentro da faixa esperada nos idosos, mas anormais nos jovens. A adesão rígida ao limiar de 80% ou 120% do previsto é ainda mais problemática para os volumes pulmonares, aumentando acentuadamente a taxa de falso-positivos (Tabela 1A). Isso não implica que os limites estatísticos de normalidade sejam imunes a erros. O melhor exemplo é o limiar do LIN para VEF1/CVF: até um terço dos idosos em risco de DPOC com LIN < VEF1/CVF < 0,7 apresentaram uma variedade de anormalidades em repouso e durante o exercício consistentes com DPOC. (2) De fato, variações mínimas no valor de corte para definir o limiar de normalidade para VEF1/CVF têm um impacto acentuado no percentual de todos os casos em toda a população que pode ser atribuído à exposição (tabagismo). Isso é particularmente verdadeiro em idosos, pois, conforme mencionado, a variabilidade é maior; assim, uma fração considerável de pacientes com DPOC apresentará VEF1/CVF “preservada”, ou seja, acima do percentil 5 (Tabela 1C).(3) Em muitas circunstâncias, valores dentro da “zona cinza” (por exemplo, entre 80% do previsto e LIN; 120% do previsto e LSN; ou LIN < VEF1/CVF < 0,7) devem ser interpretados individualmente à luz da probabilidade pré-teste de anormalidade.(4)
 
MENSAGEM CLÍNICA
 
O uso de limiares fixos (como 80% ou 120% do previsto) para classificar resultados de TFP como anormais pode levar a erros substanciais, geralmente resultando em “subestimação” de doença nos jovens e “superestimação” de doença nos idosos. O LIN estatístico, no entanto, está longe de ser uma panaceia: a interpretação dos TFP será sempre um N = 1 estudo, exigindo correlação clínica cuidadosa para julgar a normalidade dos valores próximos do limiar proposto.(5)
 
REFERÊNCIAS
 
1.            Stanojevic S, Kaminsky DA, Miller M, Thompson B, Aliverti A, Barjaktarevic I, et al. ERS/ATS technical standard on interpretive strategies for routine lung function tests. Eur Respir J. 2021;2101499. https://doi.org/10.1183/13993003.01499-2021
2.            Neder JA, Milne KM, Berton DC, de-Torres JP, Jensen D, Tan WC, et al. Exercise Tolerance according to the Definition of Airflow Obstruction in Smokers. Am J Respir Crit Care Med. 2020;202(5):760-762. https://doi.org/10.1164/rccm.202002-0298LE
3.            Burney P, Minelli C. Using reference values to define disease based on the lower limit of normal biased the population attributable fraction, but not the population excess risk: the example of chronic airflow obstruction. J Clin Epidemiol. 2018;93:76-78. https://doi.org/10.1016/j.jclinepi.2017.10.020
4.            Neder JA, Berton DC, O’Donnell DE. The Lung Function Laboratory to Assist Clinical Decision-making in Pulmonology: Evolving Challenges to an Old Issue. Chest. 2020;158(4):1629-1643. https://doi.org/10.1016/j.chest.2020.04.064
5.            Neder JA. Functional respiratory assessment: some key misconceptions and their cli-nical implications. Thorax. 2021;76(7):644-646. https://doi.org/10.1136/thoraxjnl-2020-215287

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